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O CASO LUANA DON – MÍDIA E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA


Não sei como foi, mas posso imaginar.

Ela estava lá, trancada, escondida, foragida.

Como em tantos outros dias, seus olhos recém acostumados ao glamour da TV devem ter caminhado por um trecho tantas outras vezes percorrido: páginas e páginas de um processo criminal.

O processo tinha nome: Operação Ethos.

O processo tinha cara... e o rosto era dela.

Luana deve ter pensado em sua vida, em como foi advogada, depois repórter e novamente advogada. Deve ter pensado em como seu nome lhe fora tomado, como ela se tornara coisa pública, domínio da mídia.

Devia anotar os buracos em cada “prova” quando a polícia entrou, invadiu a casa em que se refugiara e, em questão de instantes, seu rosto retornava às telas da TV, agora na condição de escândalo consumado.

Luana não foi condenada pela justiça. Esta mandara lhe prender, preventivamente, sabe-se lá por quais razões dentre as tantas possíveis, como, por exemplo, o erro judiciário.

Luana, contudo, foi condenada pela mídia à pena de morte de sua imagem.

Gritaram nos jornais que ela teria advogado para membros do PCC, que levava informações dos líderes presos da facção para outros integrantes, presos ou não.

Desconheço o processo, mas conheço a acusação, posto que recorrente.

Trata-se de uma ideia equivocada e sem qualquer sentido da qual toda a classe da advocacia, especialmente os advogados criminais, são vítimas todos os dias: a de que se submeteriam a servir de office boys de luxo.

A proposição teria cabimento não fosse um detalhe: falta-lhe lógica.

Dizer que advogados são cooptados pelo PCC, CV ou seja lá o que for para este tipo de serviço grotesco, é ter preguiça de pensar na total ausência de razão disso quando se tem, em nossos presídios, um número quase tão grande de celulares quanto de presos.

A questão vai além: qual a necessidade de eventual utilização de advogados como pombos-correios quando se tem, além de celulares, familiares com intimidade e acesso suficiente para a tomada e distribuição de informações?

Falta lógica, sobra preconceito.

Afastada a participação como pombo-correio, resta saber se Luana ou qualquer advogado poderia ser incriminado por aceitar defender pessoas que saiba pertencerem a uma organização criminosa.

Por questões pessoais, optamos por vincular nossa carreira à defesa de pessoas ditas “comuns”, para quem “ser réu” em um processo penal caracterize um capítulo, mas não a biografia de uma vida.

Esta opção decorre de uma série de fatores, nenhum deles ligado à Lei, razão pela qual não nutrimos qualquer sentimento de reserva em relação àqueles que aceitem atuar em casos relacionados às tais organizações criminosas.

Em uma democracia, a defesa do pior dos celerados é tão válida e necessária quanto a do maior dos injustiçados, pois injustiça não escolhe nome, história ou classe social.

No entanto, a mídia, instrumentalizada por órgãos do Estado que lhe fornecem informações privilegiadas e geralmente parciais ou incompletas, apega-se a um modelo moralista, em que o advogado usualmente é visto como persona non grata e, não raras vezes, é submetido a julgamento pela “qualidade” do cliente que representa.

Desse delírio midiático de justiça como sinônimo de condenação sem (ou apesar do) processo, decorrem situações absurdas, como as agressões físicas sofridas por um conhecido advogado que tivera a coragem de patrocinar um caso de júri cuja audiência ultrapassara a da novela das oito.

Respeitadas as diferenças, é possível afirmar que em ambos os casos a mídia fora chamada para ser juiz. Em ambos, o preconceito parece ser a fonte de um grito de ameaça, cujo tom parece subir a cada dia:

Quer ser jurista? Não seja advogado!

Quer ser advogado? Não seja criminalista!

Quer ser criminalista? Olha lá quem você irá defender!

Parodiando Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, uma das maiores vozes de nosso tempo no âmbito da advocacia criminal, afirmamos que vivemos tempos estranhos, em que os avanços tecnológicos e tantas outras conquistas, como a total liberdade democrática, paradoxalmente, parecem transitar lado a lado com a intolerância.

Não sei se Luana é culpada ou inocente, isso é uma questão para seus ótimos advogados.

Sinto, entretanto, que a divulgação massiva de sua acusação e prisão, sem qualquer cautela quanto à sua provável inocência, sem qualquer preocupação com a possibilidade de que seu “crime”, afinal, não seja mais do que o retrato da incompreensão quanto ao desempenho da advocacia, é muito conveniente para o reforço de uma campanha crescente contra o livre exercício da defesa criminal, garantia cabível a todos, do pai de família ao membro do PCC.

Vale lembrar que Ethos remete a caráter moral. No âmbito da sociologia, utiliza-se ethos para a definição dos costumes e os traços comportamentais típicos de um povo, o seu conjunto de valores.

Infelizmente, a intolerância, o ódio e, principalmente, o pré-julgamento, parecem ser a marca de nosso ethos moderno.

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