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Máscara 19 - Quarentena e Violência Doméstica

Artigo originalmente publicado na ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões. Para ver o original, clique aqui.



Em matéria publicada no dia 30 de março de 2020, a REUTERS FOUNDATION chamou a atenção para um crescimento exponencial dos episódios de violência doméstica na França em decorrência do início da quarentena lá decretada, de 36% em Paris e 32% no restante do país.


Consta da matéria que em resposta, o Governo Francês disponibilizou 1.1 milhão de euros para organizações de combate a violência doméstica.


No LE PARISIEN, edição de domingo, a Secretária de Estado para a Igualdade entre Mulheres e Homens, MARLÈNE SCHIAPPA, informou que a quarentena realmente compreende um terreno propício para o aumento da violência de gênero, tendo indicado que as autoridades da França buscam medidas de proteção às mulheres vítimas submetidas a confinamento, como a distribuição de locais de apoio nos centros comerciais.[1]


Em outro artigo do LE PARISIEN, o Ministro do Interior, CHRISTOPHE CASTANER, informa a intenção de criar um código de ajuda emergencial nas farmácias e comércios equivalentes.[2]


De acordo com a ideia, ao adentrar em uma farmácia, a mulher vítima de violência poderia solicitar uma máscara 19 (Masque 19), ideia esta adotada com base na iniciativa do Governo Espanhol da divulgação do código “MASCARILLA 19”.


Realmente, em várias províncias da Espanha há uma ampla divulgação, no comércio farmacêutico, da campanha “Contra la violencia de género, Mascarilla 19”, contando inclusive com a adoção de cartazes distribuídos em locais estratégicos.[3]


Basicamente, ao receber a solicitação da mulher, o atendente entra em contato com as autoridades e indica que se trata de um chamado por um incidente de “Mascarilla 19”, fato este apto a gerar a ativação de um protocolo de emergência em prol da mulher.


A existência da preocupação específica sobre o tema não se restringe a países da Europa. Nos Estados Unidos, um artigo do New York Times chama a atenção para os efeitos colaterais da quarentena em relação ao aumento da violência de gênero também na América do Norte. A matéria ainda informa que na China, durante o período de isolamento, a hashtag #AntiDomesticViolenceDuringEpidemic figurou entre os trending topics junto à plataforma de mídia social SINA WEIBO.[4]


Todos estes relatos servem como indicativos relevantes de que assim como a Pandemia do Coronavírus, o incremento da violência de gênero em razão da quarentena também há de assumir uma natureza mundial.


De fato, apesar de nos encontrarmos na fase inicial do confinamento, já pudemos notar, no âmbito de nossas atividades como advogados criminais, um ainda pequeno, mas preocupante incremento das tensões entre casais mantidos sob isolamento.


Ao meditar sobre a campanha idealizada na Espanha e copiada por outros países, concluímos que há quem possa pensar que o código seria ineficiente em razão do seu conhecimento por homens adeptos da violência. Esta concepção, no entanto, parece-nos equivocada.


De início, convém esclarecer que já há, no âmbito do Estado de São Paulo, um aplicativo denominado SOS MULHER, criado pela Polícia Militar e que permite à vítima de violência pedir socorro por meio de um simples botão no celular.


Este aplicativo, no entanto, restringe-se a mulheres que já possuem medida protetiva de urgência em andamento, exigindo-se, portanto, o cadastro com indicação do número do processo a ela relativo.


Neste ponto, medidas como a adoção de códigos a serem internalizados pela sociedade se apresentam como uma boa opção, não por caracterizar um substitutivo às ferramentas já existentes, mas sim por somar forças a estas, ampliando-se a esfera de proteção.


Em verdade, acreditamos que a simples divulgação de campanhas como a “máscara 19” tende a fortalecer a rede de apoio e consequentemente a servir como [mais uma] dentre tantas barreiras à violência de gênero.


Não bastasse isso, é necessário reconhecer que para uma mulher mantida sob regime de vigilância aumentada em razão do confinamento, resta muito mais fácil aproveitar qualquer descuido do companheiro para informar a situação a terceiros por meio de um código simples, ao invés de ter que explicar a situação e solicitar ajuda específica por meio do chamamento das autoridades. O código, inclusive, poderia ser sussurrado em não menos que um segundo, enquanto o parceiro se encontra a uma curta distância, distraído com a busca por um shampoo ou outro produto qualquer.


A ideia da campanha “máscara 19” nos parece muito boa e acreditamos que poderia facilmente ser implementada no Brasil, principalmente se contar com o apoio de redes de farmácia, Ongs com atribuição para o trato do tema e até mesmo do governo em suas variadas esferas.


Mais importante do que a adoção de uma campanha equivalente no Brasil, no entanto, é a conscientização do Estado, servidores públicos e entidades interessadas na questão, sobre a natureza excepcional destes tempos de pandemia, em que o novo normal há de exigir novas posturas, novas ideias e até mesmo novas leis.



Referências:

[1] “Violences conjugales: Marlène Schiappa annonce ‘des points d’accueil dans les centres commerciaux’ In: http://www.leparisien.fr/societe/violences-conjugales-marlene-schiappa-annonce-des-points-d-accueil-dans-les-centres-commerciaux-28-03-2020-8289900.php

[2] “Confinement : un dispositif d’alerte dans les pharmacies pour les femmes violentées” In: http://www.leparisien.fr/faits-divers/confinement-un-dispositif-d-alerte-dans-les-pharmacies-pour-les-femmes-violentees-26-03-2020-8288838.php

[3] “Quiero una Mascarilla 19»: la alerta en clave que pueden usar las víctimas de violencia de género en las farmacias de Canarias” In: https://www.abc.es/espana/canarias/abci-mascarilla-19-alerta-clave-pueden-usar-victimas-violencia-genero-farmacias-canarias-202003171309_noticia.html?ref=https%3A%2F%2Fwww.google.com.br%2F

[4] “Where Can Domestic Violence Victims Turn During Covid-19?” In: https://www.nytimes.com/2020/03/23/opinion/covid-domestic-violence.html


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